Cinco Ilhas, Uma História: A Redescoberta de Cabo Verde por uma Família Emigrante
Após quase três décadas longe da terra natal, uma família cabo-verdiana residente nos Estados Unidos realizou uma viagem de duas semanas por cinco ilhas de Cabo Verde — Santiago, Fogo, Brava, São Vicente e Santo Antão. A experiência foi marcada por reencontros emocionantes, descobertas culturais, desafios logísticos e reflexões sobre o desenvolvimento e potencial turístico do país.

Uma família cabo-verdiana residente nos Estados Unidos retornou ao arquipélago após quase três décadas longe da terra natal. A viagem, planejada para durar duas semanas, incluiu visitas a cinco ilhas — Santiago, Fogo, Brava, São Vicente e Santo Antão — e teve como objetivo principal apresentar aos filhos, nascidos fora do país, as paisagens, os costumes e a realidade do Cabo Verde contemporâneo. Entre reencontros emocionantes, descobertas culturais e alguns desafios logísticos, a experiência revelou-se profundamente marcante.
O ponto de partida foi a ilha de Santiago, onde a diversidade urbana de Praia deu o tom inicial da viagem. Apesar da reputação de insegurança em algumas zonas, a família sentiu-se à vontade ao explorar bairros como Palmarejo, Kebra Kanela e outras áreas centrais. Restaurantes como Djeu Residencial, com música ao vivo e ambiente acolhedor, e Kaza Branka, com excelente gastronomia, marcaram positivamente a estadia na capital.
Ao seguirem para Cidade Velha, a visita à Fortaleza de São Filipe proporcionou uma verdadeira aula de história aos filhos, despertando reflexões sobre o passado colonial. Já Tarrafal, com praias bem cuidadas e ambiente turístico descontraído, trouxe uma energia mais leve e informal. No caminho, uma paragem estratégica em Assomada permitiu vivenciar a autenticidade do mercado local e a simpatia dos vendedores de beira de estrada, aproximando ainda mais a família do dia a dia cabo-verdiano.
Com uma paisagem totalmente distinta, a ilha do Fogo apresentou-se como um contraste inesperado. De fácil acesso via voos regulares para São Filipe, a cidade em si surpreendeu pela tranquilidade quase silenciosa. Apesar disso, as cores vivas das casas davam vida ao cenário urbano. A viagem até Chã das Caldeiras revelou-se um desafio, com estradas mal conservadas e sem proteção lateral, especialmente no trajeto que parte de São Filipe. Em contrapartida, o acesso por Mosteiros mostrou melhor infraestrutura.
As visitas à caldeira vulcânica e às praias de areia negra ofereceram paisagens deslumbrantes, ainda que pouco aproveitadas pelos moradores devido à periculosidade do mar. Um imprevisto com o ferry forçou uma mudança de planos, prolongando a estadia na ilha — situação que evidenciou as fragilidades do sistema de transporte interilhas. Ainda assim, a presença de inúmeros investimentos da diáspora, como moradias modernas e pequenos empreendimentos, destacou o dinamismo económico crescente da região.
A chegada a Brava, terra natal dos pais, teve um peso emocional único. Diferente das outras ilhas, a hospedagem foi feita em casa de familiares, o que reforçou a intimidade da experiência. A família percorreu localidades como Vila Nova Sintra, Fajã d’Água, Ferreiros e Nossa Senhora do Monte, optando por explorar a ilha com o apoio de um motorista local. A combinação de passeios a pé, como o percurso até Esparadinha e a subida à Fontainha, com deslocamentos em veículo, permitiu um equilíbrio entre imersão e eficiência. Momentos simples, como colher mangas e cocos diretamente do campo, deixaram memórias duradouras para as crianças.
No entanto, a ilha também expôs limitações graves: a escassez de água, que já se estendia por dias, e a dependência quase absoluta de um ferry que só apareceu duas vezes durante toda a estadia. A partida antecipada foi necessária e só foi possível graças à intervenção direta do responsável local da companhia marítima.
O itinerário prosseguiu para São Vicente, onde a chegada à cidade de Mindelo marcou uma virada no estilo da viagem. Com uma atmosfera cosmopolita, a cidade lembrou destinos costeiros europeus, com marina movimentada, vida noturna ativa e restaurantes bem avaliados. A família alugou um carro para visitar locais como Monte Verde, Baía das Gatas, Salamansa, Calhau e a surpreendente atração subterrânea Doze Voltas. A Praia da Laginha, elogiada pelas suas águas claras e tranquilas, foi considerada a melhor de toda a viagem. A estadia no Hotel Ouril reforçou a boa impressão, tanto pelo serviço quanto pelo café da manhã gratuito. Um reencontro inesperado com conterrâneos dos Estados Unidos tornou a experiência ainda mais especial. Contudo, São Vicente também foi palco de abordagens constantes nas ruas por jovens pedindo dinheiro ou tentando iniciar conversas com segundas intenções — algo que não se repetiu em outras ilhas. Situações como essas deixaram um sinal de alerta sobre a pressão do turismo e os desafios sociais da cidade.
Encerrando a jornada, Santo Antão revelou-se como uma das maiores surpresas. Com montanhas imponentes, vales profundos e estradas panorâmicas, a ilha ofereceu um novo olhar sobre o arquipélago. Novamente com carro alugado, a família percorreu localidades como Paul, Ribeira Grande, Delgadinho e Porto Novo, além de visitar uma cratera vulcânica. Ao contrário do que é frequentemente dito sobre os riscos de conduzir na ilha, as estradas empedradas, com muros de proteção, transmitiram segurança. A estadia no RM Green Hotel, no alto da montanha, exigiu um esforço de acesso recompensado por vistas deslumbrantes e tranquilidade. Em áreas mais urbanas, perceberam a presença de pessoas em situação de rua, com pedidos de ajuda frequentes, o que exigiu intervenção ocasional de comerciantes locais.
No balanço geral, a viagem foi vivida como uma oportunidade de reconexão com as raízes, valorização da cultura e compreensão das realidades contrastantes entre as ilhas. Mais do que um roteiro turístico, foi uma experiência de aprendizagem e partilha familiar. A hospitalidade do povo cabo-verdiano, a beleza natural exuberante e os reencontros com as origens deixaram uma marca profunda. Com promessas de retorno e vontade de explorar as ilhas que ainda faltam, a família encerrou a jornada com o coração cheio e os laços com Cabo Verde mais fortes do que nunca.