POR QUE PEDRO PIRES NÃO PODE SER O ROSTO DAS CELEBRAÇÕES DOS 50 ANOS DA INDEPENDÊNCIA ?

Cabo Verde chega ao cinquentenário da independência (5 de julho 1975 - 5 de julho de 2025) e só o risco de ver a festa transformada em palco de exaltação de quem sufocou as primeiras esperanças da liberdade me causa arrepios.

Jul 2, 2025 - 15:57
 0  49
POR QUE PEDRO PIRES NÃO PODE SER O ROSTO DAS CELEBRAÇÕES DOS 50 ANOS DA INDEPENDÊNCIA ?
A presença de Pedro Pires, já anunciado como membro da comissão de honra, das comemorações - é o gesto simbólico que falta para apagar o sofrimento de milhares de cabo - verdianos que pagaram caro por pensar diferente. (dw.com)
Recordemos os factos:
Entre 8 de Julho de 1975 e 4 de Abril de 1991, Pedro Pires foi primeiro ministro de um estado de partido único, construído à imagem e semelhança do PAIGC/PAICV . Foram quase 16 anos em que todas as instituições - Tribunais, Parlamento, comunicação social - respondiam ao PP. (pt. http://xn--wikipdia-f1a.org/)
Para sustentar o controlo , ergueu-se uma máquina de coerção que incluía milícias populares armados, uma policia política infiltrada, tribunais populares sem juízes de carreira e o famigerado visto de saída que transformava o passaporte num grilhão ideológico.
Quem escolhia os “Juízes “ era o próprio chefe do governo , mantendo o aparelho judicial como extensão do diretório partidário. (O http://xn--pas-sma.cv/)
O resultado foi um rasto de medo. Basta lembrar a repressão de 4 de Julho de 1977 em São Vicente e o terror de 31 de Agosto de 1981 em Santo Antão: detenções sem mandato, espancamentos sistemáticos, choques elétricos , mortes em cela.
“ É preciso que as pessoas não confundam tolerância com fraqueza “, dizia então o Primeiro Ministro Pires, enquanto a Cruz Vermelha Internacional era chamada a visitar prisioneiros torturados. ( Expresso das Ilhas)
Mesmo antes da proclamação da República, Tarrafal é encerrado pelo regime colonial em Maio de 1974 e foi reaberto em Dezembro desse mesmo ano para acolher setenta e dois opositores ao Paigc.
Muitos só saíram às vésperas da independência; outros foram enviados para a prisão de Caxias em Portugal.
Assim nasceu o “novo Cabo Verde” : com um campo de concentração reanimado para calar vozes discordantes. (buala.org)
Não admira que historiadores e juristas consideram o partido único mais sufocante , para o cidadão comum, do que o último período do colonialismo português. O aparelho repressivo era mais denso, mais capilar, mais quotidiano. ( o http://xn--pas-sma.cv/)
Celebrar meio século de independência louvando o arquiteto desse autoritarismo é violentar a memória das vítimas, mortos, exilados, desempregados pela “falta de confiança revolucionária “, famílias vigiadas por agentes a paisanas. E é lançar SAL na ferida aberta de quem lutou , em Janeiro de 1991 para derrubar a muralha do medo e inaugurar o pluralismo democrático.
Isto não é um ajuste de contas com a história da libertação nacional; é a recusa do revisionismo. O contributo de Pires como negociador em 1974 - 1975 não pode sujar a história - mas tampouco pode lavar a ditadura doméstica que se seguiu. Homenagear Combatentes da liberdade não implica coroar quem depois , lhes negou a própria liberdade.
Os 50 anos pedem verdade!
O lugar central deve ser ocupado pelas vítimas, pelos democratas, que, dentro ou fora do País, desafiaram o Partido - Estado, e pelas gerações que nasceram já em democracia, mas carregam às cicatrizes herdadas.
Entendemos, que a democracia não é amnésia!
É memória com justiça e os democratas cabo-verdianos não podem aplaudir a liturgia que transforma o guardião da mordaça no herói da liberdade.
Que a nossa voz de repúdio ecoa mais alto do que qualquer discurso laudatório neste 5 de julho de 2025!