José Maria Neves considera-se um homem tímido, de convicções e valores bem definidos
O Presidente da República José Maria Neves considera-se uma pessoa tímida, de convicções e valores bem definidos, tendo alcançado nesta idade, tudo o que um homem deseja, muitas conquistas, aprendizados, lutas e crescimento diário como ser humano.

Nesta entrevista à Inforpress onde José Maria Neves fala do seu percurso de vida, se bem-sucedido ou não, disse ter tudo o que um homem deseja ter, especialmente, filhos, plantado árvores e escrito alguns livros.
Nascido em Pedra Barro, arredores da Assomada, Santa Catarina, filho de mãe solteira, José Maria Neves veio de uma família remediada, mas ele e os irmãos, dois rapazes e duas meninas, uma delas sua irmã gémea, e mais uma irmã de criação, tinham tudo o que precisavam para viver como crianças normais e felizes naquela altura.
Com quatro mulheres em casa, sendo ele o único rapaz, lembra-se que foi muito mimado e querido, tendo desde criança, vindo a realizar todos os seus sonhos.
José Maria Neves que viveu numa casa ao lado da do avô, um santantonense de gema e comerciante, que fazia o comércio com a costa ocidental africana, viajando especialmente para Dakar, mas também Praia e São Vicente, conta com orgulho e satisfação que o seu avô sempre prestou “muita atenção” à educação dos netos, tendo mesmo pressagiado que ele José Maria, seria um grande homem.
“O meu avô e a minha mãe sempre prestaram muita atenção à nossa educação. O meu avô dizia que ele via em mim uma luz, que eu seria um grande homem na vida. E a minha mãe, como eu não tinha muito jeito para os trabalhos agrícolas e outros afazeres domésticos, dizia que eu tinha de estudar para poder ser alguém na vida e poder sobreviver”, lembrou.
Um bom presságio que se concretizou, pois José Maria Neves, hoje o mais alto magistrado da nação, durante o seu percurso de vida, disse ter estudado com determinação e foco, feito a licenciatura em Administração Pública, continuando, neste momento, a fazer o doutoramento em Políticas Públicas no Instituto Universitário de Lisboa (ISCTE).
Pai de quatro filhos, três rapazes e uma menina, José Maria Neves acredita no amor, mas não no amor eterno, tendo casado duas vezes.
A viver actualmente em união de facto, entende que casamento é viver a dois, que entre um casamento no Registo Civil e uma união de facto, não há muita diferença, entretanto não descarta a possibilidade de um dia casar na igreja.
Há pessoas que o veem como arrogante e cheio de manias, mas sem se incomodar, José Maria Neves confirmou que já lhe disseram isso em vários momentos, mas que só quem não o conhece, reiterou, poderá fazer essa análise.
“Não parece, mas sou uma pessoa tímida, talvez seja isso. Não entro rapidamente. É como se fosse apalpando o terreno. As pessoas que me conhecem sabem que eu sou extremamente vulnerável, de uma simplicidade… não tenho nenhum tipo de arrogância. Sou uma pessoa de convicções, frontal, gosto de dizer claramente o que penso e sinto, embora na política não se deva ser totalmente frontal”, comentou.
“As pessoas não gostam de quem diz tudo, mas acho que devemos ser, sobretudo, leais com os nossos amigos, com quem convivemos e procurar ser o mais frontal possível, no sentido de dizer as coisas que nos preocupam, incomodam, para que a própria convivência possa ser de amizade e não de hipocrisia”, considerou.
Admitindo, por outro lado, ser uma pessoa “excessivamente rigorosa” consigo mesma, porque nunca está satisfeito com o que faz, querendo sempre fazer mais e cada vez melhor, José Maria Neves, com a idade que tem hoje agrada-se por ter chegado onde chegou, conseguido realizar os seus sonhos e ter tudo que um homem deseja ter: filhos, plantado árvores e escrito livros”, manifestou.
Recuando no tempo, lembra que quando veio à cidade da Praia para estudar, no ano lectivo 1974/75 desafiou a si mesmo que deveria ser um dos melhores alunos, carregando esta mesma determinação para o Brasil onde fez o curso, com pensamento fixo em regressar e contribuir para o desenvolvimento do país.
“Fui um dos melhores alunos da minha classe, fui orador da turma e as pessoas viam-me como uma referência. Depois quis ser presidente da Câmara de Santa Catarina. Em circunstâncias muito difíceis, cheguei lá, fiz a minha campanha tranquilamente, com muita humildade, fui eleito", conta.
Depois quis ser presidente do PAICV.
"Também fui eleito, em eleições muito disputadas. Desejei ser primeiro-ministro de Cabo Verde, ganhei as eleições e ganhei mais duas vezes… fiz três mandatos como primeiro-ministro”, conta com certo orgulho.
Depois de deixar o Governo, regressou à universidade para estudar e dar aulas, tendo em 2021 candidatado a Presidente da República e ganhado, condição que lhe permite, conforme sublinhou, continuar a contribuir para o desenvolvimento de Cabo Verde, para o reforço das instituições democráticas e para a melhoria do debate político.
“Mas, sobretudo, para apoiar na busca de soluções para os grandes desafios que ainda temos pela frente, como os baixos salários, os baixos rendimentos, a pobreza, as desigualdades. Decidi candidatar-me a Presidente da República sempre nessa perspectiva de servir o país, de servir os cabo-verdianos”, enfatizou, comentando que não se cansou da política, embora considere que a política em Cabo Verde seja “extremamente desgastante”.
Foi durante 15 anos primeiro-ministro, começou a exercer o cargo tinha 40 anos, hoje Presidente da República, confessa não ter uma vida social normal, por causa das restrições dos cargos que tem exercido, o que tem sido a sua maior perda.
“Tem sido a minha maior perda. Fui 15 anos primeiro-ministro, comecei a exercer o cargo com 40 anos e desde essa altura tenho as limitações de ter segurança, permanentemente, de nunca andar sozinho e de limitar-me também na minha vida social", exteriorizou.
"Mas tento, dentro das circunstâncias, pelo menos, procurar levar uma vida normal. Tenho muitos amigos e procuro dar-me bem com as pessoas, independentemente das opções políticas ou filosóficas de cada um", frisou.
Assim, aproveita todo o tempo livre que tem para ler livros sobre política, biografias, economia, história e poesia, também ouve música, sobretudo cabo-verdiana, brasileira, jazz, além de participar, de vez em quando, em algumas tertúlias e conversas com os amigos.
Continuando com as recordações, lembra com saudade os tempos de curso no Brasil, momentos conforme descreveu de “grandes aventuras e loucuras” com os amigos.
Admitindo, por outro lado, que não é fácil conciliar a vida política com a familiar, José Maria Neves disse que domingo é um dia que quer parar para descansar e não fazer “absolutamente nada”, mas tira sempre tempo para ir ver a mãe e dar atenção aos filhos.
Quem vê José Maria Neves não pensa que leva jeito para a cozinha, pois, confecciona vários pratos desde um bom frango no forno, bife, arroz de marisco, arroz malandro de lagosta, peixe grelhado, assado e cozido, pimentão recheado, cachupa, feijoada, entre muitos outros pratos.
“Gosto de cozinhar, faço muita coisa. Enquanto primeiro-ministro vivi muito tempo sozinho, pelo que me sinto à vontade na cozinha. Faço todos os mariscos que existem em Cabo Verde: percebes, craca, polvo, búzio, lapas, também ostras… e gosto de um bom tempero”, comentou.
Regressando à vida política, perguntado se pensa recandidatar-se a mais um mandato, Neves disse que ainda é cedo para pensar nisso, e que no momento certo tomará uma decisão, sendo certo que ainda tem muita energia para viver e contribuir para o país.
Quanto ao legado que gostaria de deixar para Cabo Verde, quer apenas ser lembrado por boas razões, como um cabo-verdiano que quis “fazer tudo” para o seu país ser melhor, os cabo-verdianos, seus conterrâneos e compatriotas viverem com “muito mais dignidade”.