Chegada da EasyJet revela fragilidades da aviação nacional e desencadeia retórica ilusória
A chegada da EasyJet no mercado cabo-verdiano representa um passo importante na conectividade do arquipélago com a Europa. Com tarifas mais competitivas e uma operação altamente eficiente, a companhia britânica trouxe um sopro de modernidade ao setor, ao mesmo tempo em que evidenciou as fragilidades da transportadora nacional. Contudo, esse avanço acabou rapidamente absorvido por um discurso político que tenta transformar um movimento empresarial sólido numa plataforma de promessas fáceis e, sobretudo, inviáveis.
Desde que a EasyJet anunciou voos para Cabo Verde, alguns atores políticos passaram a sugerir que a Cabo Verde Airlines poderia seguir o mesmo modelo, convertendo-se numa espécie de “low cost nacional”. À superfície, a ideia parece sedutora: bilhetes mais baratos, mais ligações, maior mobilidade para os cabo-verdianos. Mas basta olhar para os dados para que a proposta colapse. A CVA não tem, pura e simplesmente, estrutura para isso.
Não se trata de opinião, mas de aritmética operacional. A transportadora nacional opera com uma frota drasticamente reduzida, e historicamente limitada a um único avião disponível durante longos períodos, e ainda hoje dependente de apenas duas aeronaves. Nenhuma companhia aérea no mundo consegue operar com modalidades low cost com tão pouca capacidade, recursos e equipamentos. O modelo exige volume, dezenas de rotas de alta rotação, aeronaves padronizadas, equipas robustas, manutenção otimizada e uma escala operacional que gera margens mesmo com tarifas reduzidas, e infelizmente a CVA está muito longe dessa realidade.
É aqui que reside o cerne do problema: transformar um limite estrutural em slogan político não só alimenta expectativas irrealistas, como instrumentaliza um setor técnico, complexo e altamente dependente de capital, para fins estritamente eleitorais. Prometer que a CVA pode competir com gigantes como a EasyJet adoptando modelos de operação low cost não é um exercício de realismo é, sim, uma estratégia para “ludibriar” o eleitorado.
Assim, o país fica aprisionado numa narrativa ilusória, onde desejos, promessas e factos mal explicados se misturam sem pudor. Vender a ilusão de uma “CVA low cost” pode render votos, mas não compra aviões, não multiplica rotas, não corrige a fragilidade financeira da companhia e, sobretudo, não enfrenta a verdade essencial: o modelo low cost só funciona com escala, e escalar exige investimento que o Estado não possui e que dificilmente será assumido por um mercado limitado e exposto à forte concorrência internacional.
Impõe-se, portanto, despolitizar esta discussão. A aviação cabo-verdiana precisa de uma estratégia séria, assente em critérios técnicos e económicos, e não de promessas moldadas ao sabor das campanhas eleitorais. A chegada da EasyJet deve ser celebrada sim, enquanto avanço na conectividade e no turismo, não como combustível para ilusões eleitorais.
No final, o país só tem a ganhar com clareza, transparência e honestidade para com os cidadãos. Perde, porém, quando questões de elevado impacto nacional são reduzidas a manobras retóricas. Cabo Verde não precisa de uma “CVA low cost inventada em discursos”, precisa de políticas realistas, de gestão competente e de uma visão que coloque o interesse público acima das conveniências políticas.
Aguinaldo Monteiro
Técnico de Tráfego e Assistência em Escala
















