Independentemente do destino, nunca deixamos de sonhar com o que poderíamos ter sido

Já faz muito tempo desde a última vez que escrevi um comentário sobre o triste estado do nosso sistema político em Cabo Verde, mas a verdade é que isso vem crescendo dentro de mim há meses. Neste momento, sinto que não tenho outra escolha senão acrescentar a minha voz — os meus dois tostões — ao completo desarranjo que estamos a testemunhar.

Dec 5, 2025 - 06:49
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Independentemente do destino, nunca deixamos de sonhar com o que poderíamos ter sido
Com as eleições de 2026 a aproximarem-se, parece que estamos destinados a continuar a mesma espiral descendente que tem destruído tudo o que construímos — não falo de estradas ou portos, mas da própria sociedade. Refiro-me aos valores que formaram a espinha dorsal da nossa identidade antes e depois da independência: decência, respeito pela lei, honra pelos mais velhos e, acima de tudo, respeito uns pelos outros.
Hoje, esse alicerce está a desaparecer.
O crescimento das redes sociais, aliado à obsessão de imitar os padrões de outras sociedades, transformou-nos profundamente. O espírito belo e singular que outrora definiu Cabo Verde está a desaparecer. Muitos dos nossos políticos — alguns dos quais nunca assimilaram verdadeiramente os princípios que moldaram esta nação — escolhem não aprender com a nossa história. Ignoram quem fomos como povo, a graça que carregávamos, a dignidade que nos caracterizava.
Fomos, em tempos, o exemplo máximo de classe. Hoje, não sabemos quem somos.
Tentamos agir como ocidentais, mas recusamo-nos a abraçar o nosso lugar em África.
Queremos os dólares americanos, mas não investimos na educação das nossas crianças para que compreendam quem realmente são.
E, no fim, tornamo-nos diluídos — desaparecendo lentamente numa versão de nós próprios que mal existe.
O que mais dói é saber que ainda há muitos de nós que lembram o Cabo Verde de ontem, que carregam os seus valores no coração e que lutam diariamente para decidir qual caminho seguir:
Será que ficamos e lutamos pela integridade e dignidade humana que nos formaram?
Ou partimos para construir uma nova vida noutro lugar, onde esses princípios não estejam perdidos?
Independentemente do destino, nunca deixamos de sonhar com o que poderíamos ter sido — com as possibilidades infinitas que tivemos. Porque, se tivéssemos permanecido fiéis ao caminho que iniciámos, acredito sinceramente que Cabo Verde poderia ter sido uma das sociedades mais belas e bem-sucedidas do mundo.
Antonio Varela