Não nasci na Brava, mas foi aqui entre montes de verde que me fiz como pessoa

Mas foi aqui, entre montes de verde profundo e mares que cantam histórias antigas, que cresci, me fiz pessoa e encontrei o significado íntimo da palavra “pertencer”.

Nov 16, 2025 - 04:55
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Não nasci na Brava, mas foi aqui entre montes de verde que me fiz como pessoa

A minha certidão pode não escrever Brava, mas o meu coração escreve-a todos os dias, linha por linha, como quem reza uma promessa antiga.

Identifico-me bravense não porque o mundo o exige, mas porque a ilha me adoptou.


Adoptou-me com a generosidade silenciosa dos lugares que não perguntam de onde vens, apenas te perguntam se és capaz de amar.


E eu amei.


E continuo a amar, com orgulho e com a firmeza de quem recusa aceitar qualquer forma de desumanismo ou diminuição da dignidade humana — seja por origem, pertença ou fronteira.

Ser bravense é um acto de coragem e, ao mesmo tempo, de entrega.
É preciso ciência, lucidez e sobretudo coragem para nos desprendermos das amarras dos partidos e imaginar um novo modo de servir a ilha — uma forma que não seja marcada por bandeiras, mas pelo coração inteiro.
Não se trata de política; trata-se de identidade, de responsabilidade, de um compromisso silencioso com a terra que nos acolheu.

Hoje, caminhei pela Nova Sintra.
Era manhã, hora de trabalho, e a cidade envolvia-se num nevoeiro denso, tímido, como quem hesita em mostrar o rosto.
A chuva, envergonhada, escondia-se por trás daquele manto branco, talvez por ter chegado tarde.

 Mas quem nasceu para abençoar não tarda para sempre:
Desfez o véu, abriu os céus e caiu com verdade.
Choveu.
Choveu com força, como quem diz:
“Sou bênção, sim — e não devo obediência ao homem.”

Nesse passeio molhado, entre passo firme e silêncio profundo, vi uma Nova Sintra mais limpa, mais arrumada, mais florida.
Vi um sopro de esperança nas cores novas, nos jardins cuidados, nos caminhos que parecem sussurrar um futuro possível.

Mas também vi — e senti — quanto ainda temos por fazer.

Porque servir a Brava não é apenas dizer:
é entregar-se.
Entregar-se de corpo e alma, com verdade e sem cálculo.
É olhar para cada rua, cada casa, cada ruína e perguntar-se:
“Estou a honrar esta terra ou apenas a usufruir dela?”

E é aí que nasce a grande coragem:
a coragem de admitir que, se não formos capazes de servir com esta entrega absoluta, devemos ter a honestidade de nos despedir da ilusão de pertença e devolver o título de «filho da ilha» que nunca merecemos verdadeiramente.

Passei por casas antigas, sobrados que um dia foram de djentis grandis de Djabraba.
Sobrados que guardavam memórias, vozes, sonhos; hoje convertidos em ruínas que ferem a paisagem e ameaçam a segurança.
Vi ali a metáfora perfeita do que a ilha espera de nós:
que não deixemos cair o que foi herança, que não abandonemos o que foi orgulho.

Apesar do que vi, sigo otimista.
Há em mim — e em tantos de nós — a convicção de que Brava vai levantar-se um dia, talvez mais cedo do que imaginamos.
E esse renascer só acontecerá quando aqueles que se julgam donos da ilha deixarem de confundir posse com amor e forem suficientemente sábios para serem aliados da união.

Porque é só na união que se constrói.

 É só na união que se ergue.
É só na união que se honra uma terra que não nos pede nada…
além de respeito, verdade e entrega.

A Brava não é apenas uma ilha.

É um pacto.
É uma promessa.
Um abraço que fica para sempre — mesmo para quem não nasceu aqui, mas escolheu, com o coração inteiro, ser parte dela.

Autor que prefere anonimato