Quando os surdos não querem mesmo ouvir

Foram postos a correr uma narrativa conveniente e um discurso incendiário: o governo/MpD instrumentaliza a justiça, especialmente o Ministério Público (MP). É uma narrativa muito conveniente, porque desculpabilizadora: em vez de olharmos para os factos e para os indiciados, passamos a olhar apenas para os acusadores.

Dec 13, 2025 - 10:04
 0  31
Quando os surdos não querem mesmo ouvir
Então vamos testar a conclusão, ou seja, a narrativa que está a ser sufragada por muitos apoiadores, intensa e emocionalmente, para aqueles que dizem que o governo/MpD instrumentaliza o MP.
A única pergunta que se devia fazer - e que sintomaticamente nunca é feita – é esta: mas só as CM lideradas pelo PAICV são alvos de busca? Não se faz, convenientemente, porque a resposta é conhecida por muitos. Não, basta olhar para a realidade dos últimos anos: a CM de São Vicente foi alvo de 2 buscas, uma no tempo da Dra. Isaura Gomes e outra muito recentemente, na presidência de Augusto Neves. Também em 2024 as Camaras de Porto Novo, Paul e Sal foram objeto de buscas ordenadas pela justiça. O Presidente da CM do Maio, alguns anos atrás, foi alvo de um processo instaurado pelo Ministério Público para a perda de mandato. Na busca à CM da Praia no ano passado foi publicamente noticiado que a busca também envolvia a gestão do MpD, na presidência de Óscar Santos.
E podia-se adiantar mais pormenores, como indicar várias figuras conhecidas do MpD que nestes últimos anos foram alvo de buscas e até de detenção por parte do Ministério Público. É esse o seu papel, por mais que desagrade este ou aquele. Ou seja, apoiantes ou dirigentes do MpD e do Paicv foram visados pelo MP nas suas investigações, com buscas e em alguns casos até com detenções.
O que se fez hoje a propósito das buscas na CMP e ainda se está a fazer, com o beneplácito hipócrita de muitos responsáveis políticos, é perigoso. E porque é que é perigoso? Porque descredibiliza a justiça, um pilar do regime democrático. Preferem descredibilizar a justiça (para provarem a militância) do que reconhecer a normalidade da atuação. Não há democracia sem uma justiça independente. Todos os magistrados estão sujeitos às críticas. Todos sem exceção, mas quem descredibiliza todo o sistema de justiça e faz dele um inimigo político, atenta contra o regime, contra o modelo consagrado pela Constituição. Modelo que tem funcionado eficazmente, mantendo uma das democracias mais estáveis do mundo, um quadro de direitos, liberdades e garantias individuais prestigiado por todas as instituições internacionais. Quem toma o nosso modelo por inimigo, não obstante as suas imperfeições, é nosso inimigo declarado e deve ser combatido por todos os meios, pois que põe em causa os fundamentos do nosso regime, colocando-se acima dele. E, claro, acima da lei.
E temos aqui um problema: como confiar num homem que afronta o nosso modelo de democracia plasmado na Constituição da República? Que prega a violência quando confrontado com a justiça? Vamos continuar a nos submetermos à lei, tal como ela é interpretada pelos tribunais, ou vamos instalar uma autocracia, com dirigentes acima das leis e dos Tribunais? Dirigentes que aceitam e respeitam a justiça apenas quando ela se ajeita aos seus interesses e pretensões.
Estamos a falar de questões essenciais, porque de regime e não de simples (?) opções de governação!