Diferente de tantos que entram na Assembleia Nacional apenas para repetir orientações, levantar a mão quando a bancada manda ou aplaudir o discurso previamente combinado, Mircea tem mostrado algo que, ironicamente, devia ser normal mas tornou-se exceção: independência de espírito. E isso, em Cabo Verde, ainda causa espanto.
Não estamos a falar de rebeldia gratuita nem de protagonismo fácil. Estamos a falar de alguém que não se comporta como carneirinho, que não baixa a cabeça perante a narrativa que lhe é servida, e que faz o que um deputado verdadeiramente deve fazer: questionar, analisar, discordar quando necessário e pôr o interesse público acima da coreografia partidária.
Na defesa da regionalização e da descentralização, na crítica à rigidez centralizadora, na denúncia dos défices de planeamento em São Vicente, Mircea tem dito o que muitos pensam mas poucos verbalizam. E fá-lo sem medo de aborrecer poderes instalados, instituições sensíveis ou estruturas que preferem silêncio. Isso tem custos, claro. Quando alguém se recusa a comportar-se como carneiro no rebanho parlamentar, os cães do sistema ladram — mas ladram porque incomoda.
O Parlamento precisa de vozes assim: firmes, lúcidas e sem submissão mecânica. Não porque se queira criar conflito, mas porque o debate público exige pluralidade real. Uma democracia acostumada ao consenso tutelado enfraquece; uma democracia que acolhe dissidência fundamentada fortalece-se.
Mircea Delgado representa precisamente essa fricção saudável. E num país arquipelágico onde a diversidade territorial é uma riqueza, faz sentido que haja quem lembre — com insistência — que as ilhas não podem depender eternamente de um centro que tudo decide e tudo condiciona.
Por isso, independentemente de concordar ou discordar das suas posições, reconheço: Cabo Verde ganha quando tem deputados que não seguem o rebanho. Ganha quando há quem questione. Ganha quando há quem pense pela sua própria cabeça. Ganha quando uma voz se levanta e diz: “Não estou aqui para ser mais um”.
Se o Parlamento tivesse mais figuras capazes de romper com a obediência automática, talvez o debate político fosse mais rico, mais honesto e mais útil para o país real — o país que vive, sofre, cria e luta para ser melhor.
Mircea pode irritar alguns, incomodar outros e desafiar muitos. Mas democracia que se preze precisa exactamente disso. E como cabo-verdiano atento, digo sem hesitação:
Cabo Verde riba lá — quando há quem recuse ser carneirinho.