Uma paixão para além da película e dos pixels

Quem o conhece reconhece-lhe de imediato a paixão pela fotografia. Quem conhece bem o seu trabalho diz dele que tem “grande sentido estético”. Marcos Rocha de Pina, 29 anos, vive com um pé na sua Brava natal e outro no Fogo, ilha onde reside. O amor pela fotografia, tatuado na pele, é afinal apenas um lado de um interesse que vai além: o de recolher e preservar - seja com a câmara de fotografar, seja com a de filmar - a alma do momento.

Jul 1, 2017 - 09:54
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Uma paixão para além da película e dos pixels

Nas memórias de infância de Marcos Rocha de Pina sobrepõem-se as horas passadas no pequeno estúdio fotográfico do pai. Este era fotógrafo em Nova Sintra e uma espécie de “herói” para o filho, que o seguia fascinado no trabalho com as lentes, as películas e tudo o mais que caracterizava o ofício de um fotógrafo antes da actual era digital.

“Foi daí que veio o meu interesse pela fotografia. Eu seguia o meu pai e sempre queria mexer nas suas câmaras. Até que ele me ofereceu uma, da marca Fuji”, relembra o jovem de 28 anos que começou então a explorar o seu próprio olhar fotográfico ao que o rodeava.

A paixão pela imagem acompanhou-o da infância à adolescência. Terminado o liceu, foi a captar imagens que encontrou trabalho e abriu caminho para a escolha da sua actual profissão. Marcos é repórter de imagem na televisão pública, TCV, e pelo empenho que coloca no seu trabalho esteve nomeado, em 2015, na categoria Comunicação Social / Televisão dos prémios “Somos Cabo Verde – Os Melhores do Ano” e, no ano passado, ajudou a colega Anabela Varela a receber uma Menção Honrosa do Prémio Nacional de Jornalismo pela reportagem sobre a errupção vulcânica na ilha do Fogo.

Com esta mesma colega realizou a reportagem que idealizou sobre a imigração de bravenses para os Estados Unidos da América. A captura de imagens, montagem e edição de “Do Sonho à saudade” aguçou-lhe o interesse pelo documentário.

Foto vencedora do TourCV Photo Awards

Aliás, a imagem como ferramenta de documentação é algo muito presente no seu trabalho na fotografia. Algo que Diogo Bento, fotógrafo português que coordena o projecto fotográfico Cachupa Factory (da Associação Olho de Gente - AOJE) reconhece.

Generosidade

“O Marcos é um fotógrafo muito interessado, preocupado e atento e isso reflecte-se no seu trabalho. Acho que é a única pessoa em Cabo Verde que faz um trabalho marcadamente fotojornalístico”, diz o co-fundador da Festival Internacional de Fotografia de Cabo Verde e professor de fotografia, que chega a comparar o jovem bravense a Sebastião Salgado pelo interesse que o mesmo demonstra pelo lado humano daquilo que reporta nas suas imagens, nomeadamente as que tem registado sobre a mais recente errupção vulcânica no Fogo.

“Ele demonstra uma preocupação que vai além de captar a notícia. Foca nas pessoas e isso vê-se na forma como continuou a acompanhar as pessoas de Chã mesmo depois, até agora. Isso demonstra generosidade, já que o trabalho profissional dele é como operador de imagem para TV”, ressalta ainda Diogo Bento que conheceu a fundo o trabalho de Marcos Rocha de Pina quando este participou em Maio do ano passado na formação para novos fotógrafos no âmbito do Chachupa Factory. O mesmo projecto que agora resulta numa residência artística online (n.r: ver artigo no http://www.expressodasilhas.sapo.cv/cultura/item/51702-catchupa-factory-apresenta-fotografias-em-exposicao-virtual) onde o fotógrafo cabo-verdiano, juntamente com outros 11 colegas, mostra os seus olhares sobre um certo lado do Mindelo.

Antes, os caminhos dos dois fotógrafos tinham-se cruzado quando, em Março de 2015, Marcos foi a Mindelo receber o prémio BCA de Fotografia, que no âmbito do Festival Internacional de Fotografia de Cabo Verde distinguiu o seu portofolio de fotografias sobre o drama da errupção vulcânica de finais de 2014. Um trabalho avaliado por um júri internacional formado por António Júlio Duarte, artista e fotógrafo (Portugal), Benjamin Füglister, director do prémio POPCAP de fotografia africana (Alemanha), Jo Ractliffe, artista, fotógrafa e docente universitária (África do Sul), Leão Lopes, artista plástico, fotógrafo e docente universitário (Cabo Verde) e Olabisi Silva, curadora (Nigéria).

Marcos Rocha de Pina

O prémio, dedicado ao pai, é para ele “um reconhecimento” do qual muito se orgulha, mas sem nunca deixar de frisar que “não gostaria de voltar a fotografar algo assim”.

Como antes dissera Diogo Bento, Marcos não deixou as gentes da Chã. Mesmo depois do prémio continuou a voltar a eles, a acompanhar o dia-a-dia dos desalojados, a luta para retomar a vida tal como ela era ou seguir novos caminhos. E continuou a pôr neles as suas lentes e a capturar rostos, momentos, sentimentos.

Uma das fotos que resultou deste exercício constante de empatia rendeu-lhe novo prémio, em Dezembro passado. Desta vez foi o público a votar e a escolher a sua foto de um menino de chã das caldeiras que, no meio da paisagem cinzenta e do drama dos dias incertos, conserva o brilho no olhar e a vontade de brincar.

O valor do prémio que recebeu da TourCV Photo Awards, Marcos ofereceu-o todo à criança que fotografou. Uma vez mais a generosidade a marcar a sua relação com a fotografia e com aqueles a quem tenta chegar à alma através das suas lentes.

Texto originalmente publicado na edição impressa do nº 792 de 01 de Fevereiro de 2017.

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