Aviação em Cabo Verde - O alinhamento do queijo suíço e os desafios da segurança operacional
Na aviação moderna, a segurança nunca é um resultado do acaso, mas sim o reflexo de um sistema complexo de barreiras e defesas construídas para prevenir acidentes. Em Cabo Verde, onde a aviação desempenha um papel vital na ligação entre as ilhas e na conexão do país com o mundo, cresce a necessidade de aprofundar a compreensão de modelos internacionais de segurança, como o famoso “modelo do queijo suíço”, amplamente aplicado na gestão de riscos aeronáuticos.

Este modelo, idealizado pelo psicólogo James Reason, ilustra como falhas humanas e organizacionais podem alinhar-se em cadeia, conduzindo a eventos adversos — como incidentes graves ou acidentes aéreos. A lógica é simples: cada camada de proteção representa uma barreira contra erros, mas todas possuem falhas (“buracos”), que, quando se alinham, abrem caminho para a ocorrência de um desastre.
As camadas do queijo suíço na aviação cabo-verdiana
No caso concreto da aviação em Cabo Verde, podemos identificar quatro grandes camadas de proteção, alinhadas com o modelo:
1. Organização e Gestão
A primeira linha de defesa está no nível institucional. Aqui entram as políticas públicas, os investimentos em treinamento, a definição de recursos adequados e a supervisão regulatória. Em Cabo Verde, o papel da Agência de Aviação Civil (AAC), do governo e das companhias aéreas nacionais é crucial. Se houver falhas nesta camada — como políticas mal definidas, carência de recursos técnicos ou ausência de fiscalização eficaz — cria-se um primeiro “buraco” que fragiliza toda a estrutura de segurança.
2. Supervisão
A segunda camada envolve o planeamento de voo, a gestão operacional e a liderança dentro das companhias. Uma tripulação mal escalada, atrasos de manutenção ou pressão por produtividade podem comprometer o desempenho. Em pequenas ilhas, onde a conectividade aérea é vital, há riscos acrescidos: pressão para manter voos mesmo em condições adversas, escassez de aeronaves de reserva e sobrecarga operacional para equipas reduzidas.
3. Condições da Tripulação
O fator humano é um dos mais críticos. Fadiga, stress, problemas de comunicação e falhas na coordenação interna da tripulação podem afetar diretamente a segurança. Em Cabo Verde, onde as escalas muitas vezes envolvem múltiplos voos inter-ilhas no mesmo dia, a fadiga dos pilotos e comissários é uma preocupação real. Um comandante cansado pode ter reflexos mais lentos ou tomar decisões menos assertivas em momentos de crise.
4. Ações dos Operadores
A última barreira é a execução prática: as decisões e ações da tripulação durante a operação de voo. Aqui entram a aplicação rigorosa de procedimentos, o uso adequado do Crew Resource Management (CRM) e a capacidade de resposta em situações imprevistas. O CRM, em particular, é essencial: fortalece a comunicação entre pilotos, distribui responsabilidades e reduz a margem de erro humano. Em Cabo Verde, investir no reforço de treinamentos em CRM pode ser decisivo para evitar que pequenas falhas se transformem em catástrofes.
Quando os buracos se alinham
Um acidente só ocorre quando falhas em todas estas camadas se alinham. Se a organização não garante recursos suficientes, se a supervisão falha em corrigir desvios, se a tripulação está fatigada e, finalmente, se os operadores não conseguem reagir a tempo, o resultado pode ser desastroso.
A história da aviação mundial mostra inúmeros exemplos onde o modelo do queijo suíço se confirmou. O perigo para Cabo Verde é acreditar que, por ser um país pequeno e com menor volume de tráfego aéreo, os riscos são reduzidos. A realidade é oposta: sistemas mais frágeis, com menos redundâncias e menores recursos, podem tornar-se ainda mais vulneráveis.
O papel do CRM como reforço das barreiras
O Crew Resource Management é a ferramenta que fortalece as camadas humanas — tripulação e operadores. Ao melhorar a comunicação, fomentar a coordenação e desenvolver a capacidade de tomada de decisão sob pressão, o CRM atua como um “cimento” que reduz a probabilidade de os buracos se alinharem até ao acidente.
Conclusão: uma chamada de atenção para Cabo Verde
A aviação em Cabo Verde precisa de olhar para este modelo não apenas como uma teoria abstrata, mas como uma realidade prática. Investir em políticas sólidas, reforçar a supervisão, proteger as condições da tripulação e apostar fortemente no CRM é mais do que uma exigência técnica — é um compromisso com a vida humana.
Num arquipélago dependente do transporte aéreo, cada “buraco” ignorado representa uma fragilidade no sistema. E se a segurança é um queijo suíço, cabe às autoridades e às companhias nacionais garantir que as fatias sejam espessas, robustas e bem alinhadas, para que nunca haja espaço para um acidente.