Brava: de ilha pedinte a dona do seu próprio destino, um desejo, uma possibilidade e um sonho
A ilha Brava vive, há décadas, num ciclo vicioso de dependência, promessas políticas e soluções adiadas. A cada crise — seja na ligação marítima, no abastecimento de bens essenciais, na saúde ou até em algo tão básico como ovos — repete-se o mesmo guião: indignação popular, comunicados, visitas pontuais de governantes, discursos inflamados… e, passado algum tempo, tudo volta ao mesmo. O problema central não está apenas na falta de recursos, mas sobretudo na forma como a ilha se posicionou historicamente perante o poder central.
A Brava habituou-se, muitas vezes por força da marginalização histórica, a esperar que “alguém de fora” resolva os seus problemas. O Estado central, os partidos políticos, os governos de turno passaram a ser vistos como a única fonte de solução. Esta postura transformou a ilha, aos olhos do próprio sistema, numa ilha pedinte, sempre à espera de migalhas orçamentais, de excepções ou favores políticos.
No entanto, esta dependência tem um custo elevado: retira capacidade de decisão, reduz poder de negociação e perpetua o atraso. Quem pede, aceita o que lhe dão; quem constrói, escolhe o que quer.
É inegável que o fraco peso político da Brava no xadrez nacional tem sido um entrave sério. Um círculo eleitoral pequeno, poucos votos, pouca representação e, consequentemente, pouca capacidade de impor agendas estratégicas. A ilha é lembrada em tempos eleitorais, em visitas simbólicas, mas raramente integrada numa visão nacional de desenvolvimento.
Contudo, continuar a culpar apenas o poder político central é insuficiente. A política nacional joga com interesses e números, e enquanto a Brava não criar mecanismos próprios de força — económica, social e organizativa — continuará vulnerável a esse jogo.
Há um paradoxo gritante: a Brava foi, no passado, uma ilha de engenho, inovação e coragem. Foi referência na construção naval artesanal, no comércio marítimo, na emigração organizada e no empreendedorismo dos seus filhos. Bravenses partiram para o mundo, criaram negócios, sustentaram famílias e contribuíram para o desenvolvimento local através de remessas e investimentos.
Como se explica, então, que uma ilha com essa história hoje tenha dificuldades até para garantir produção local básica, como ovos, hortícolas ou pequenas cadeias de abastecimento? O problema não é incapacidade; é desorganização estratégica e dependência mental.
Se existe um verdadeiro “recurso natural” da Brava, ele chama-se o seu povo. Dentro da ilha, há conhecimento prático, vontade de trabalhar e profundo sentido de pertença. Fora da ilha, existe uma diáspora forte, organizada, com capacidade financeira, técnica e de influência.
O erro histórico tem sido não transformar essa força dispersa num projeto coletivo estruturado. Não basta boa vontade individual; é preciso visão comum, plataformas de investimento comunitário, cooperativas, fundos locais, associações de desenvolvimento económico e social com metas claras e mensuráveis.
Defender que a Brava deve depender mais de si própria não significa virar costas ao Estado ou ao país. Significa reduzir vulnerabilidades. Produzir localmente o que for possível, criar pequenas indústrias adaptadas à escala da ilha, apostar na agropecuária familiar organizada, no mar, no turismo de nicho e na economia comunitária.
Cada ovo produzido localmente é menos um problema quando o barco não chega. Cada pequeno produtor apoiado é menos uma família dependente de subsídios. Cada iniciativa comunitária bem-sucedida é mais poder político real.
Nenhuma transformação acontecerá sem liderança local forte, mas também sem pressão cidadã. A população precisa deixar claro que não aceita mais políticas de remendo, nem discursos vazios. É necessário exigir planeamento, transparência e resultados, mas também assumir responsabilidades enquanto comunidade.
A Brava não pode continuar a transferir todas as culpas para fora. Há decisões que só a própria ilha pode tomar: organizar-se, unir-se, definir prioridades e agir.
A verdadeira mudança começa quando a Brava deixa de perguntar “o que o Governo vai fazer por nós?” e passa a perguntar “o que nós, enquanto ilha, vamos fazer por nós mesmos?”. O poder político continuará a ser um fator importante, mas não pode ser o único pilar.
A Brava precisa recuperar o orgulho de ser construtora do seu próprio destino. Precisa transformar a indignação em ação, a crítica em projeto e a dependência em autonomia. Só assim deixará de ser vista como ilha esquecida e passará a ser reconhecida como ilha que decidiu levantar-se por si mesma.
















