Brava/REPORTAGEM: Lavadura, antes um “paraíso” hoje desabitada por falta de água

Manuel de Brito é um morador da ilha Brava, neste momento residente em Fajã D´Água, mas que viveu mais de 50 anos em Lavadura, uma localidade que o mesmo descreveu como um “paraíso” noutros tempos, mas devido a falta de água está hoje desabitada.

Oct 20, 2018 - 12:46
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Brava/REPORTAGEM: Lavadura, antes um “paraíso” hoje desabitada por falta de água

Manuel de Brito é um morador da ilha Brava, neste momento residente em Fajã D´Água, mas que viveu mais de 50 anos em Lavadura, uma localidade que o mesmo descreveu como um “paraíso” noutros tempos, mas devido a falta de água está hoje desabitada.

Lavadura é uma zona que faz parte da Freguesia de Nossa Senhora do Monte, pertencente à bacia hidrográfica de Fajã D´Água, conjuntamente com Travessa e Lagoa. É uma zona de fácil acesso, através dos caminhos vicinais, embora, por ser desabitada já há 4 anos, as vias de acesso estejam um pouco obstruídas com plantas e algumas pedras.

Manuel Brito, mais conhecido por Lelé, foi um morador desta zona, mas a “escassez de água que atormentou Lavadura de uns anos para cá, obrigou os habitantes da aldeia a procurarem outros lugares para viverem ou a enveredarem-se pela emigração”.

Em declarações à Inforpress, Lelé recorda como era a região anteriormente e porque hoje ela está abandonada, estando ocupada por macacos e alguns pastores que, devido à seca, ocuparam algumas casas para “salvarem” os seus animais, aproveitando o pasto dos terrenos abandonados.

Conforme a lembrou a fonte, antigamente era neste local que quase todas as mulheres de outras localidades mais distantes iam lavar as suas roupas.

“Inclusive, na época colonial, foram construídas várias surradeiras, permitindo às mulheres lavarem e secarem as suas roupas ali mesmo, regressando à casa somente mais tarde”, conta.

Nesta época, segundo Lelé, a localidade era um paraíso: “Quem somasse nas rochas ou nas ladeiras, ouvia e via água correndo nas ribeiras, crianças saltitando pelos tanques, a zona toda verdejante”.

O que hoje se transformou numa região árida, já foi bastião de “cana-de-açúcar, batata-doce e comum, coqueiro, mandioca, feijão de todo tipo e qualidade, entre outras plantações, pois a água “era abundante”.

Até porque, explicou o entrevistado, é nesta zona, um pouco mais abaixo, que fica situada a “nascente mãe da água” que abastece vários pontos da ilha Brava, “excepto” o próprio lugarejo a zona de Lagoa.

Lelé contou que após a empresa Água Brava ter “fechado” a nascente, nada das maravilhas anteriores foram visíveis mais.

“Já não tínhamos água nem para sustentarmos, quanto mais para agricultura e criação de gado”, lamenta o agricultor, sublinhando que todos os terrenos nesta zona são cultiváveis e que davam rendimentos antigamente.

Com a “privação” da água, as pessoas que viviam nesta zona “começaram a diminuir”, mas Lelé continuou a residir na zona até o momento em que viu que “sem água, sem vizinhos” já não dava para ficar, trocando a antiga aldeia pela vizinha Fajã d´Água, onde reside há quatro anos.

“Com toda a movimentação que tinha naquela zona, com pessoas que iam lavar as suas roupas, era tudo muito divertido. O verde das plantações, a frescura, a tranquilidade, a grande quantidade de frutas, os banhos de tanque, atraiam muita gente, movimentando a zona”, recordou.

Em tom de brincadeira, Lelé contou que havia uma casa na zona, “das pessoas mais ricas”, em que quem quisesse ir à moradia, teria que “primeiramente lavar os pés na fonte, depois chegar na porta descalçar os sapatos, para depois entrar no interior da casa”.

Até, como comentou, “isso serve de lição para muitos, mostrando que cedo ou tarde o destino para ricos ou pobres é o mesmo”.

Em Lavadura já não existem plantações, “nem nada”, mas, de acordo com Lelé, foi ocupada há pouco tempo por novos inquilinos, criadores de gado que, atormentados pela seca, procuravam locais abandonados e com pastos para salvarem as suas criações.

Mas não é somente Lavadura que enfrentou dificuldades com a falta de água. Mais abaixo de Lavadura, fica Lagoa, que também já está quase desabitada, não fosse a teimosia de uma família, que, devido ao “apego” e “não ter” outro lugar para morar, ali ainda resiste.

Caso contrário, Lagoa já estaria também entregue aos macacos e outros animais que têm vindo a invadir esta zona.

Tunga é o chefe da família que ainda reside em Lagoa, que demonstrou a sua tristeza em ver a zona “secando” aos poucos. “As mangueiras estão padecendo por falta de água, não vale nem a pena falar da cana sacarina, das bananeiras, batatal, mandioqueiras e outras coisas mais”, lamentou o agricultor.

Segundo Tunga, o que lhes foi disponibilizado é “um tanque pequeno e a água tem de ser compartilhada com a zona de Fajã D´Água”.

“É muito pouco nesta zona, onde a temperatura é quente e as plantas já estavam acostumadas com muita água, tendo em conta que aqui perto fica a nascente”, explica.

Para Tunga, a solução é “aguentar até onde der”, porque, afirmou, pagar cem escudos para cada deslocação à Vila de Nova Sintra para reclamar e “não adiantar nada”, é “melhor viver com a miséria de água disponibilizada e pedir para que a chuva caia sempre, de forma a minimizar as consequências da falta de água”.

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