Carta aberta a Roque Silva Junior

Antes de tudo, desejo que a viagem decorra bem e que o reencontro com a nossa terra te traga serenidade. A divergência de ideias nunca deve anular o respeito pessoal - mas também não pode impedir a franqueza. E é em nome dessa franqueza, e do compromisso com a verdade e com o país, que te respondo.

Nov 5, 2025 - 06:35
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Carta aberta a Roque Silva Junior
Carta aberta
Caro Roque, o teu texto é um exercício de desespero político disfarçado de moralismo democrático. Dizes que te moves pela liberdade e pela democracia, mas o que realmente te move é o medo - medo de perder o privilégio de pertencer a um sistema que se alimenta da obediência e da propaganda. Falas em democracia, mas defendes um governo que, há anos, governa como se o país fosse propriedade sua.
Dizes que o meu silêncio te intriga. Pois fica a saber: o meu silêncio foi apenas estratégico. Retirei-me por uns dias para consolidar matérias essenciais, para pensar com profundidade e não reagir com impulsos. É o que distingue quem tem visão de quem vive de pequenos textos inflamados e servilismo político. Enquanto escrevias o teu panfleto, o país que defendes afundava-se mais um pouco na escuridão - literal e simbólica.
Porque a verdade, caro Roque, é dura: Cabo Verde está mergulhado no breu. E não é apenas o breu dos apagões, é o breu da incompetência, da mentira, da mediocridade e da ausência total de rumo. Ulisses Correia e Olavo Correia disseram que tinham “todas as contas feitas” antes de subir ao poder. Hoje, o que temos é um país endividado, paralisado e moralmente exausto, governado por quem já não acredita em nada além do próprio poder.
Tu tentas disfarçar esse fracasso atacando Francisco Carvalho - o único que ainda ousa propor uma alternativa real. Chamá-lo de “populista” é a forma mais preguiçosa de esconder o desconforto que a sua mensagem provoca nos corredores do poder. Ele fala de justiça social, de redistribuição, de dignidade - coisas que assustam os que confundem governo com obediência e Estado com negócio.
Dizes que Francisco Carvalho quer “um país de borlas”. Pois não, caro Roque. O que ele quer é um país de direitos - e isso é bem diferente. Querer educação pública acessível não é ilusão; é investir no futuro. Garantir saúde para todos não é demagogia; é civilização. As “borlas” que denuncias são apenas a tradução moderna daquilo que a Constituição consagra como direitos fundamentais. A diferença é que o teu campo político nunca os quis concretizar - preferiu sempre converter direitos em privilégios, e o Estado num balcão de favores.
A tua carta fala de “autoritarismo” e “ameaça à liberdade”, mas ironicamente, o que se vê é o contrário: um governo que centraliza o poder, silencia o contraditório e manipula a opinião pública com meios pagos. Um governo que prometeu transparência e transformou o país num laboratório de nepotismo e propaganda. A tua “liberdade” é a liberdade de repetir o discurso oficial e aplaudir os mesmos de sempre.
Não venhas dar lições de democracia a quem tem memória. A verdadeira ameaça à liberdade está em quem, como tu, normaliza a incompetência e justifica o desgoverno. Francisco Carvalho não é o problema - ele é o espelho que revela o vazio moral de quem está no poder. E esse vazio é o que realmente vos assusta.
Ulisses Correia e Olavo Correia deixaram o país no escuro - e não falo apenas de energia. Falo da escuridão social, do desemprego disfarçado, da juventude sem oportunidades, das famílias sufocadas por tarifas, da Praia a desmoronar-se em insegurança e do interior esquecido. Falo do medo de dizer o que se pensa sem ser rotulado. Falo da mentira institucionalizada que tenta fazer-nos crer que tudo está bem quando o país inteiro sente o contrário.
Caro Roque Silva, o teu texto é o retrato da velha política - a que prefere atacar pessoas para não discutir ideias. A tua obsessão em vincular Francisco Carvalho ao passado é o teu escudo para não olhar o presente. O teu discurso é o de quem fala de democracia enquanto legitima a desigualdade.
Desejo-te, sinceramente, um bom regresso à nossa terra - ainda que mergulhada na escuridão moral e material do governo que defendes. Que tenhas tempo para olhar à tua volta e perceber que o breu que hoje cobre o país não é culpa de Francisco Carvalho, nem de mim, nem de ninguém que pensa diferente. É o resultado direto da incompetência de quem prometeu o paraíso e entregou o apagão.
Cabo Verde precisa de luz, mas a luz não virá de discursos falsamente virtuosos nem de textos serventuários. Virá da coragem de quem pensa por conta própria, de quem age com convicção e de quem recusa ser cúmplice do conformismo.
Eu sigo firme, lúcido e sereno - a pensar, a preparar e a agir. Porque enquanto uns se escondem atrás da retórica, há quem esteja a preparar o futuro com ideias, visão e coragem.
Manuel Alves
Georgia, 30-10-2025.