Como é possível a Brava não ter ovos? Dependência da ligação marítima levanta debate sobre produção local
Cidade de Nova Sintra, 19 de Dezembro de 2025 (Bravanews) — A escassez de ovos registada nos últimos dias na ilha Brava voltou a expor uma realidade que há muito preocupa sectores da sociedade bravense. A excessiva dependência da ligação marítima para o abastecimento de produtos básicos, mesmo daqueles que poderiam ser produzidos localmente. A pergunta que muitos fazem é simples e direta: como é possível faltar ovos numa ilha onde existem condições para a criação de galinhas?
Com as constantes irregularidades no transporte marítimo, agravadas por avarias de navios e atrasos sucessivos nas ligações entre as ilhas do sul, produtos essenciais como ovos, batata e cebola têm chegado à Brava em quantidades reduzidas ou, em alguns casos, simplesmente não chegam. Face a esta situação, comerciantes têm sido obrigados a racionalizar a venda, limitando a quantidade por cliente, numa tentativa de evitar rupturas totais de stock.
No entanto, no caso dos ovos, a situação tem gerado ainda mais indignação junto de alguns sectores. “O ovo não vem de fábrica, vem da galinha”, comentam moradores, questionando por que razão a ilha continua dependente de importações vindas de Santiago ou do Fogo, quando poderia investir seriamente na produção local.
Historicamente, muitas famílias bravenses criavam galinhas nos seus quintais, garantindo ovos para autoconsumo e, em alguns casos, para venda informal. Com o passar dos anos, essa prática foi sendo abandonada, seja por falta de incentivos, aumento dos custos de ração, ausência de apoio técnico ou simplesmente pela aposta excessiva no abastecimento externo.
Especialistas em desenvolvimento local defendem que a atual crise deveria servir de alerta às autoridades e à sociedade. “A Brava não pode continuar refém da ligação marítima para tudo. A produção avícola, mesmo que em pequena escala, poderia garantir uma reserva mínima de ovos para a população, sobretudo em períodos de crise”, referem.
Para muitas famílias, o ovo é uma das principais fontes de proteína, sobretudo num contexto em que o peixe nem sempre está disponível e a carne tem preços elevados. A sua ausência no mercado pesa diretamente no orçamento doméstico e na segurança alimentar.
“Há dias que vou à loja e não encontro ovos. Quando há, só posso levar meia dúzia”, relata uma moradora da ilha, acrescentando que a situação se torna ainda mais difícil para famílias com crianças.
A situação também levanta críticas à falta de políticas públicas voltadas para a autossuficiência alimentar da ilha. Agricultores e pequenos criadores apontam a inexistência de programas de apoio à criação de aves, acesso facilitado a ração, vacinas e acompanhamento veterinário como entraves ao relançamento do setor.
“Se houvesse um projeto sério para apoiar quem quisesse criar galinhas, hoje a Brava não estaria a passar por isso”, afirma um residente, defendendo que a Câmara Municipal e o Governo central deveriam olhar para a produção local como uma prioridade estratégica.
Apesar do cenário preocupante, muitos veem na atual crise uma oportunidade para repensar o modelo de abastecimento da ilha. Apostar na criação de galinhas poedeiras, incentivar cooperativas locais e promover a produção familiar são algumas das soluções apontadas para reduzir a dependência externa.
Enquanto isso não acontece, a Brava continua à espera dos navios — e dos ovos — vindos de fora, numa situação que evidencia fragilidades estruturais antigas e reacende o debate sobre a urgência de investir na autonomia alimentar da ilha.
















