QUANTO MAIS FACILITARMOS A VIDA AOS CIDADÃOS, MAIS O PAÍS CRESCE!

PRÁTICA DE ACTOS INÚTEIS Quando precisamos de uma certidão, uma procuração ou outro documento destinado a ser apresentado junto de uma autoridade estrangeira, como seja, uma autoridade portuguesa, exigem-nos que a certidão passada pela conservatória de registos seja ela própria reconhecida pelo consulado português, sob pena de não ser aceite pelas autoridades portuguesas.

Sep 4, 2017 - 10:32
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QUANTO MAIS FACILITARMOS A VIDA AOS CIDADÃOS, MAIS O PAÍS CRESCE!


PRÁTICA DE ACTOS INÚTEIS

1. Quando precisamos de uma certidão, uma procuração ou outro documento destinado a ser apresentado junto de uma autoridade estrangeira, como seja, uma autoridade portuguesa, exigem-nos que a certidão passada pela conservatória de registos seja ela própria reconhecida pelo consulado português, sob pena de não ser aceite pelas autoridades portuguesas.


Esta exigência, em princípio está correcta, pois, a autoridade não sabe, à partida, se não se trata de um documento forjado ou emitido por quem não tinha competência para a prática do acto.


2. Acontece, porém, que, em alguns casos, os tratados e acordos internacionais suprimem esta exigência relativamente a este ou aquele país, quanto a este ou aquele acto, como forma de facilitar a vida aos cidadãos, pois, o mero reconhecimento de uma assinatura pode levar à perda de vários dias de trabalho. 



É o que se verifica relativamente aos actos passados pelas autoridades portuguesas para serem presentes perante as autoridades cabo-verdianas e, vice-versa, relativamente aos actos passados por uma autoridade cabo-verdiana para serem presentes perante uma autoridade portuguesa. Relativamente a estes actos, desde 1976, foi celebrado um Acordo Judiciário entre Cabo-Verde e Portugal nos termos do qual tais actos não requerem legalização. Reza, assim, o artigo 31º do referido Acordo Judiciário que se encontra em vigor e não foi nem revogado nem denunciado quanto a esta cláusula:


Artigo 31.º
Documentos e decisões



1. São dispensados de legalização no território de uma Parte contratante, quando não haja dúvidas sobre a sua autenticidade, os documentos emitidos pelas autoridades da outra.
2. Serão dispensadas de revisão, para o efeito de ingresso no registo civil, as decisões proferidas em acções de Estado ou de registo pelos tribunais de uma Parte contratante relativas aos nacionais da outra, ficando a cargo da entidade que proceda ao registo a verificação das condições referidas no artigo 8.º 
Este acordo está em vigor entre os dois países desde 1979, mas não é cumprido neste ponto particular por nenhuma das autoridades: não só as autoridades cabo-verdianas exigem sistematicamente que os documentos passados pelas autoridades portuguesas sejam legalizados, como as autoridades portuguesas exigem o mesmo, com graves prejuízos para os cidadãos. Não raro tem acontecido que documentos passados pelas autoridades cabo-verdianas têm sido devolvidos pelas autoridades portuguesas e vice-versa.

3. Trata-se, todavia, de uma exigência ilegal que vem causando perdas de tempo e dinheiro aos cidadãos dos respectivos países. Na verdade, um acordo internacional devidamente assinado e ratificado, como é o caso do Acordo Judiciário celebrado entre Cabo Verde e Portugal, incluindo os seus protocolos, tem o valor de lei e, como tal, deve ser respeitado, tanto pelas autoridades cabo-verdianas como pelas autoridades portuguesas. 
Mas se isto acontece então tem que ser interpretado como um mau sintoma: mostra que a Administração está de costas voltadas para os cidadãos. Nem sequer tem o cuidado de estudar e cumprir os acordos internacionais destinados a facilitar a vida e a proteger os interesses dos cidadãos. E nas relações entre Cabo Verde e Portugal uma avaliação do cumprimentos dos acordos já celebrados revelaria cifras negras importantes.

4. Face a exigências ilegais, que pode fazer o cidadão?

Muitas vezes o cidadão, mesmo tendo conhecimento de que a exigência do acto é ilegal, prefere praticá-lo em vez de se sujeitar às reclamações cuja resolução dura um ror de tempo. Por exemplo, se um documento passado por uma autoridade cabo-verdiana é recusado por uma autoridade portuguesa, é mais fácil devolver o documento para Cabo Verde a fim de ser legalizado pelas autoridades consulares portuguesas do que apresentar recursos hierárquicos para fazer valer a legalidade. 
Sou, todavia, da opinião de que este não é o melhor caminho. Assim procedendo estamos a sujeitar-nos aos abusos da Administração. É preferível reclamar. De outro modo, para quê que se fazem as leis?
Tanto em Portugal como em Cabo Verde existem vários meios de reclamação. Para além da reclamação directa em que o cidadão pode alegar que a exigência é desnecessária e pode mesmo invocar a norma legal que dispensa a legalização, o cidadão pode igualmente recorrer ao livro de reclamações, que, pelo menos em Portugal, tem funcionado bem. As reclamações são apreciadas e não raro têm sido tomadas medidas contra a incompetência e abusos dos funcionários públicos. Mas para além do livro de reclamações o cidadão poderá apresentar recurso hierárquico ou queixa ao Provedor de Justiça. A apresentação de queixa está hoje facilitada porque no próprio site da Provedoria existem modelos de que o cidadão pode servir-se para apresentar a sua queixa. Trata-se também de um serviço muito eficiente que dá sempre respostas aos cidadãos e tem contribuído de forma eficaz para a melhoria das relações entre a Administração Pública e os particulares. 
É preciso, pois, que os cidadãos criem o hábito de apresentar queixas e reclamações ao Procurador-Geral da República e ao Presidente da República para defesa dos seus direitos. É preciso que estas entidades, enquanto garantes da Constituição e das leis da República, estabeleçam um relacionamento constante e permanente com os cidadãos para os ajudar a fazer valer as suas pretensões junto da Administração. Mas há casos em que a queixa ou reclamação não é necessária. Tal acontece quando o acto é tornado público. Assim, se denuncio nesta coluna que as autoridades quer cabo-verdianas, quer portuguesas estão a exigir aos cidadãos a prática de um acto ilegal, esta denúncia deve ser averiguada e, em caso afirmativo, a prática reparada.


Além destas medidas, o cidadão pode ainda recorrer aos recursos administrativos e judiciais.


5. Refira-se, por último, que os emolumentos e taxas cobrados pela prática de um acto ilegal são eles próprios ilegais. Portanto, devem ser devolvidos. Assim, todas as pessoas que, nos últimos anos, pagaram pela legalização de documentos passados pelas autoridades cabo-verdianas para serem presentes às autoridades portuguesas ou vice-versa têm direito à restituição dos valores pagos. Devem, pois, apresentar os seus pedidos junto dessas autoridades, cabo-verdianas e portuguesas, para obterem a repetição do pagamento indevido.


6. Já agora uma sugestão para quem de direito: sabendo que uma certidão, procuração ou outro documento se destina a ser apresentado perante as autoridades portuguesas ou cabo-verdianas, porque não apor neste documento o seguinte averbamento: PARA SER PRESENTE ÀS AUTORIDADES PORTUGUESAS (CABO-VERDIANAS). ISENTO DE LEGALIZAÇÃO, NOS TERMOS DO ARTIGO 31º DO ACORDO JUDICIÁRIO CELEBRADO ENTRE CABO VERDE E PORTUGAL, ASSINADO A 16 DE FEVEREIRO DE 1976 E EM VIGOR DESDE 5 DE MAIO DE 1979.



Quanto mais facilitarmos a vida aos cidadãos, mais o país cresce.

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