Vuca Pinheiro desserta sobre Vida e Obra de Rodrigo Peres

Durante a apresentação da organização SOCA no Capeverdean Museum de Pawtucket, tive a honra de proferir uma pequena palestra sobre RODRIGO PERES... Aqui vai...

Oct 1, 2023 - 02:26
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Vuca Pinheiro desserta sobre Vida e Obra de Rodrigo Peres
RODRIGO PERES
Nascido em Lisboa, este sagitariano viu pela primeira vêz a luz do dia a 21 de Dezembro de 1916, no número 100 da Calçada do Marquês de Abrantes, sendo a mãe cabo-verdiana de Santo Antão e o pai da Brava.
Filho do Capitão da Marinha Jovino de Oliveira, aportou à Ilha Brava com apenas 4 anos de idade. Aos cuidados da avó D. Guiomar de Oliveira, dos 4 aos 11 anos de idade, conheceu, interiorizou e viveu todas as especificidades da cultura bravense de então.
Aos 11 anos foi para a cidade do Porto para os estudos primários e Liceais e ficou numa pensão com 3 amigos bravenses: Dr. Júlio Pinheiro (por sinal, o meu pai), o Dr. João Parma Pinheiro e o Dr. Telmo Crato Monteiro. Tendo terminado o sexto ano liceal aos 17 anos de idade, resolveu regressar à Ilha Brava, cheio de saudades da sua Ilha de infância e também da sua avó.

Permaneceu por 8 anos na sua querida Ilha Brava, tendo aí vivido, durante esse periodo, todas as vicissitudes da juventude e adolescência, o que lhe conferiu um perfil todo especal de poeta amado e dos mais festejados pelo povo da nossa Ilha das Flores, e não só...
Foi aí então, e durante esse periodo, que produziu toda a sua obra poética.
Falar de Rodrigo Peres é falar de sensibilidade poética, é falar do amor à terra que o viu crescer, é falar do poder descritivo das atividades do dia-a-dia bravense, é ainda falar de amor incondicional que só encontramos em grandes poetas.
Mas, para falar de Rodrigo Peres, não basta enaltecer as qualidades humanas do poeta. Temos forçosamente que analizar a parte lírica das suas composições.
No que diz respeito ao conteúdo das composições, Rodrigo Peres é talvéz um dos compositores com um leque de temas dos mais variados abordados em mornas bravenses, versando sobre o amor, gratidão, ciume, desilusão amorosa, homenagem, saudade, etc., etc...
O seu parceiro mais frequente foi José Medina que, entre outros, emprestou a sua sensibilidade musical para embelezar e evidenciar ainda mais a veia poética de Rodrigo Peres.
Na sua extensa obra, que inclui um total de 22 poemas em português e 40 textos em crioulo, ele abordou temas diversos que vão desde o jocoso, como na morna " 'N CREBO CUMÂ BO CREM", mostrando uma disputa engraçada entre dois entes queridos.
Aqui apresento alguns enxertos desta morna...
...
" ‘N ta amâbo cumâ bo amâ’m,
‘N ta crêbo cumâ bo crê’m,
Dixâbo si bo dixâ’m,
Fazêbo cumâ bo fazê’m.
No al ficâ só sigó,
Coitado di mi co bó
Na trato qui bo tratâ’m,
Na tudo ‘m tem qui imitâbo.
...
Si bá até bo tombâ’m
‘N ta rastâbo na queda,
Tratabo cumâ bo tratâ’m
Pagâbo na mesma moeda."
Passando pelo descritivo, como na morna "NHA TEMPO DI MENINO", onde ele descreve a sua infância com uma grande riqueza de detalhes.
"Sodade, dja’m tem sodade!
Di nós casa, nós portom,
Di nós quintal sem ladridjo,
Qui’m ta djugâba piom,
Di bento trás di cutelo
Co papagaio na mom."
Atento à situação política do seu tempo, Rodrigo Peres saúda, na "Morna de Vitória", o General Britânico Montegomery pelo seu desempenho na segunda guerra mundial.
Também fez o possível para humanizar as localidades da Ilha Brava que o viu crescer, que são descritas e enaltecidas na morna "DJABRABA", também conhecida como "GREJA D'OCEANO", musicada por Virgínio Pereira...
...
"Djabraba, alegre cumâ um sorriso,
qui Nhôr Dês dâ sê bençon,
pel transformabo bo tchom
num canto di paraíso"
...
"Vila é sê rosto fresco e moreno,
Sê coraçan ta pulsâ la na Lém".
Ao mesmo tempo que enaltece o amor em forma de mulher amada, Rodrigo Peres também consegue dizer: "Mudjer é falso, mudjer é piçonha, bejo qu' el dâbo é resto di oto home", como na morna "MUDJER É FALSO".

E avançando para o amor mais sublime, temos a morna " 'N CREBO FORA DE MARCA", um dos seus temas mais conhecidos e dedicado a uma grande paixão da juventude, onde ele compara o habitual do dia-a-dia com o amor mais pungente, onde as expressões " 'N CREBO MÁS TCHEU QUI PRANTA CRÊ AGO" e "MÁS QUI COMIDA CRÊ SAL" põem em evidência a simplicidade e a profundidade lírica deste autor. Ao mesmo tempo, e na mesma morna, ele também não deixou de homenagear o grande escritor e poeta Eugénio Tavares com a seguinte comparação: " 'N CREBO CUMA DJABRABA CRÊ MORNAS DI SÊ TATAI".
Falando de parceria musical, para além de mornas que ele próprio musicou, destacam-se José Medina (que foi o seu parceiro mais frequente), Alvaro Soares, Hilário Galvão, Guilherme Dantas, Virgínio Pereira, Djedjinho e A. Almeida.
E continuando com a sua senda famiiar, embarcou para os EUA, vivendo em Nova Yorque e New Jersey, onde trabalhou nos rebocadores do Porto. Depois, partiu para Lisboa onde constituiu família. Trabalhou como oficial da Marinha Mercante nos barcos de uma companhia americana com bandeira Liberiana.
Nunca mais pegou na caneta para escrever dizendo que a sua inspiração era a sua
Ilha e as pessoas desse tempo, deixando uma lacuna que até aos dias de hoje está para ser preenchida.
A convite do então Presidente do Ideal Club, de East Bridgewater, visitou a nossa comunidade em 1989, altura em que foi homenageado com duas mornas.
A par de uma morna escrita por José Galvão Sousa, mais conhecido por Fuca, homenageando o poeta, eu também tive a honra e a felicidade de escrever uns poucos versos, musicados em forma de morna, que foi apresentada por ocasião da sua última visita para estas terras de Nova Inglaterra.
NÔS POETA RODRIGO
Inicialmente descrevo a Ilha que ele amou...
Neba detado cumâ um paraiso,
altar florido di beleza sem igual.
Torrão sagrado di luar e de sorriso,
berço querido dês poeta sem rival.
Para depois homenageá-lo...
...
És morna é um sentimento profundo
dês nôs Djabraba co sodade di sê poeta,
no bem cantâ’l, no bem dâ’l tudo nôs carinho,
no recebê’l braços aberto curaçam franco di amor.
Finalizando, talvés eu possa afirmar que eu tenha sido o músico que mais gravou Rodrigo Peres, entre gravações nos meus discos instrumentais e arranjos e produções musicais para outros artistas, o que muito me honra.

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