Entre Moderação e Aventureirismo: o Futuro da Democracia Cabo-Verdiana
Por estes dias, muito se discute o mais recente levantamento do Afrobarometer, divulgado em julho, que sugere uma tendência de declínio no potencial de voto do MpD. Segundo os dados, apenas 40% dos eleitores que aprovam a governação afirmaram que votariam no partido caso as eleições se realizassem naquele momento, enquanto 7% dos que a reprovam declararam que, ainda assim, votariam nele. Com base nesses números, alguns comentadores apressam-se a concluir que o MpD caminha para uma derrota certa em 2026, com vitória quase inevitável do PAICV.

Essa leitura, no entanto, carece de maior profundidade. Em primeiro lugar, importa sublinhar que o Afrobarometer não é uma sondagem eleitoral, mas sim um instrumento de avaliação de perceções. O eleitorado cabo-verdiano tem demonstrado, ao longo de três décadas de democracia, que as suas decisões de voto não se baseiam exclusivamente em percentagens isoladas, mas em fatores mais amplos: confiança, credibilidade de liderança, equilíbrio e capacidade de governar em tempos de crise.
O dado mais relevante que a análise publicada por João Silvestre Alvarenga omite é a natureza da liderança atual da oposição. O PAICV optou por um dirigente que não esconde a sua visão de “entendimento sólido” de partido único como modelo de governação. Trata-se de uma perspetiva que colide frontalmente com os valores democráticos conquistados em 1991 e que, em vez de fortalecer a alternância, ameaça reabrir feridas de um passado autoritário. Num contexto internacional de crises sucessivas — pandemia, choques energéticos, inflação e alterações climáticas —, dificilmente o eleitorado cabo-verdiano aceitará trocar estabilidade institucional por aventuras políticas de matriz autocrática.
Além disso, não é irrelevante avaliar o desempenho do atual líder da oposição na função de presidente da maior câmara municipal do país. Os cidadãos de Santiago e de todo o arquipélago acompanham, com preocupação, as dificuldades de execução, as promessas não cumpridas e a fragilidade da gestão autárquica da capital. Este histórico fragiliza seriamente a credibilidade do candidato como alternativa governativa.
O MpD, pelo contrário, apesar dos desafios enfrentados nas últimas duas legislaturas, preservou a estabilidade, assegurou a continuidade democrática e demonstrou resiliência em contextos adversos. A moderação e a rejeição de extremismos têm sido marcas da sua governação. É este equilíbrio, mais do que percentagens transitórias, que pode fazer a diferença quando chegar a hora de decidir nas urnas.
A verdadeira escolha em 2026 não será entre números frios de sondagens, mas entre dois modelos de país: de um lado, a moderação democrática e o pluralismo; do outro, o risco de retrocessos autoritários travestidos de alternativa. Cabe ao povo cabo-verdiano, mais uma vez, reafirmar a maturidade que tem demonstrado ao longo destas décadas de democracia.
Roque Silva