Os profissionais do crime. A carapuça a quem lhe couber

Há princípios basilares que sustentam qualquer governo democrático: transparência, lealdade institucional e respeito pelas deliberações coletivas. Quando um destes pilares é abalado, todo o edifício político treme. Erode.

Aug 11, 2025 - 05:44
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Os profissionais do crime. A carapuça a quem lhe couber

É exatamente o que acontece agora com o escândalo da Cabo Verde Interilhas, em que, pelo que nos foi dado a conhecer seis anos depois da assinatura do contrato de concessão. Um contrato que, afinal, não foi aquele aprovado em Conselho de Ministros, porque no Ministério das Finanças, segundo noticiou o Expresso das Ilhas, alteraram o documento que viria então a ser rubricado entre o Governo e a empresa concessionária, a Cabo Verde Interilhas.

Ora bem, se for de facto esta a verdade, ainda não desmentida pelo Executivo, não estamos diante de um simples “lapso administrativo”. Trata-se de um ato que, no mínimo, ignora a essência do trabalho colegial do Executivo, convertendo uma decisão coletiva numa decisão particular. Mais grave ainda: sem que, aparentemente, os restantes ministros fossem informados ou pudessem avaliar o impacto das alterações introduzidas.

O acto, aparentemente naif, pressupõe, na prática, mais do que uma traição aos pares governativos, à bancada do MpD (estiveram anos a defender um negócio cujos contornos sequer sabiam a fundo e terão sido enganados por isso), ao próprio Parlamento e a todos os cabo-verdianos, um comportamento que denota, para já, abuso de confiança, presumível fraude e, em última instância, burla (alguém ou entidades terão defraudado o Estado, eventualmente, com objectivo de ganhar dividendos), todos crimes puníveis à luz da legislação cabo-verdiana.

Independentemente do sucesso do possível recurso que o Governo anunciou em comunicado interpor junto do STJ, esse alegado golpe, de uma gravidade tremenda, além de questionar a legalidade do processo, põe sobretudo em causa a confiança política, que é o cimento invisível que mantém unido qualquer governo. Um Vice-Primeiro-Ministro e vice-presidente do seu partido, pela sua posição e influência, deve ser o guardião rigoroso das regras e do espírito institucional, e não o seu transgressor.

Num contexto político normal, a revelação de tal comportamento abriria inevitavelmente um debate sobre a permanência do governante no cargo. Não por vingança política, mas porque a autoridade moral de quem dirige as finanças públicas e ocupa o segundo lugar na hierarquia do Executivo depende de integridade absoluta. Quando esta é posta em dúvida, todo o governo se fragiliza.

O Primeiro-Ministro terá agora de decidir entre duas opções: agir rapidamente para salvaguardar a imagem e a credibilidade do seu governo, ou deixar que a erosão silenciosa da confiança pública faça o seu trabalho — com consequências potencialmente devastadoras nas urnas daqui a menos de um ano.

Em democracias maduras, ministros caem por muito menos – aliás, mesmo cá em casa e no seio deste Governo tombaram ministros por envolvimento em escândalos, eventualmente, de menor dimensão, como o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, por supostamente ter recebido benesses para nomear o contumaz César do Paço para cônsul de Cabo Verde na Florida, e recentemente, Carlos Santos, que era o titular da pasta do Turismo e Transportes, e que foi constituído arguido num processo de lavagem de capitais.

Aqui e agora, como fizera seu bordão o célebre jornalista brasileiro Gil Gomes, a questão não é se o Vice-Primeiro-Ministro deve ou não sair, mas se o Governo está disposto a pagar o preço de o manter no cargo. Se Ulisses Correia e Silva sabia da alteração da minuta do contrato a grandeza do caso alastra ainda mais afectando todo o elenco. Mas se UCS foi pego de surpresa, como se depreende, há-de tirar a cabeça da areia e lidar com o caso como um líder, porque, caso contrário seria como se um marido flagrasse a esposa a dormir com outro e puxasse o cobertor para cima deles para não apanharem resfriado.

A meu ver, Olavo Correia deve pedir demissão, ainda que tente uma boleia no recurso que tenciona interpor junto dos tribunais judiciais sobre a decisão do Tribunal Arbitral. Houve, antes, um presumível golpe institucional quando se alterou, se adulterou um documento previamente homologado por todos os membros do Governo. Após o proteccionismo da lei dos lacticínios, a devolução do IVA à empresa onde a mulher é accionista, e visto o seu poder reduzido por decisão do PM na última remodelação, haverá condições políticas para ele se manter no cargo? Assim, sem dignidade?

José Vicente Lopes, num soberbo texto na edição impressa do A Nação, disse que Cabo verde não é para amadores. Verdade, o problema é que existem "profissionais do crime" que nada têm que ver com a boa administração de Cabo Verde e que operam de pantufas, tal qual Pantera Cor-de-Rosa. Estão em todos os lados.

Artigo tirado da Santiagomagazine