Cabo Verde, um arco-Íris que não deve ser apagado - Antonio Varela

Há anos, algumas figuras políticas em Cabo Verde vêm tentando, de forma silenciosa e constante, apagar o arco-íris vibrante que representa a verdadeira essência da nossa nação — especialmente na ilha da Brava. Procuram reescrever a história à sua maneira, como se a diversidade que nos formou fosse um erro a corrigir, uma parte inconveniente da narrativa nacional.

Aug 5, 2025 - 15:07
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Cabo Verde, um arco-Íris que não deve ser apagado - Antonio Varela
Mas a história não é algo que se apaga nem se edita conforme a conveniência. Ela é o alicerce da nossa identidade, da nossa dignidade e da nossa força enquanto povo.
Cabo Verde nasceu no cruzamento — muitas vezes doloroso — de diferentes mundos. Somos descendentes de europeus que chegaram durante a colonização, de judeus que fugiam da perseguição e do Holocausto na Europa, e de africanos brutalmente arrancados das suas terras e vendidos como escravos nas Américas. Foi deste encontro de tragédias e esperanças que nasceu o povo cabo-verdiano.
Na Brava, essa fusão de culturas, cores e histórias tomou forma nos nossos nomes, na nossa música e na nossa forma de ser. Temos apelidos portugueses e traços africanos. Carregamos a melancolia da morna misturada ao batuque ancestral. A nossa língua crioula é, por si só, um testemunho vivo de resistência e reinvenção. Somos o que somos porque carregamos tudo isso — e não apesar disso.
Apagar esse passado é um erro profundo. É roubar às novas gerações o direito de se conhecerem por inteiro. É transformar um povo fascinante numa caricatura simplificada. E pior ainda, é abrir espaço para a intolerância, o preconceito e a exclusão, quando poderíamos estar a ensinar empatia, orgulho e pertença.
Nas escolas, devemos ensinar essa história com coragem e honestidade. Nos espaços públicos, devemos celebrar todos os rostos e vozes que compõem o mosaico cabo-verdiano. Na diáspora, devemos criar oportunidades de diálogo entre gerações para que a nossa memória não se perca. Toda criança nascida em Cabo Verde — ou fora dele — tem o direito de saber que carrega no sangue uma herança rica e extraordinária.
Os nossos antepassados sobreviveram a navios negreiros, perseguições religiosas, fome, ditaduras e abandono. Muitos morreram sem reconhecimento, sem justiça, sem voz. Contar as suas histórias é o mínimo que lhes devemos. Honrar o seu legado é garantir que o nosso futuro seja construído com verdade — e não com silêncio.
Somos africanos e europeus. Somos judeus e cristãos. Somos mestiços, insulares, migrantes e cidadãos do mundo. E é exatamente isso que nos torna fortes e únicos. Num tempo em que o mundo se fragmenta em identidades rígidas e discursos de ódio, Cabo Verde tem algo precioso a oferecer: o exemplo de que é possível fundir diferenças em harmonia.
Quando alguém tentar pintar a nossa história com uma única cor, devemos responder com todas as cores que nos formam. O que nos torna únicos não é a pureza — é a mistura. E, nisso, somos um dos povos mais belos e fascinantes do mundo.
A Brava ensinou-nos que a beleza pode florescer mesmo entre pedras e vento. Que mesmo num canto remoto do Atlântico, é possível construir dignidade, resiliência e humanidade. O nosso passado não é uma vergonha — é um farol. E que ele continue a brilhar com toda a sua luz, iluminando o presente e inspirando as gerações futuras com orgulho e verdade.
Antonio Varela é empresário e filantropo CaboVerdiano-Americano natural da ilha Brava e residente nos Estados Unidos há mais de quatro décadas. É fundador da Nilza Varela Foundation, que atua em várias ilhas de Cabo Verde com projetos de habitação, saúde e segurança alimentar. Também é proprietário da Warren Jewelers, em Massachusetts, e um defensor da preservação da memória histórica e da justiça social, tanto na diáspora como nas ilhas.